14 dezembro 2025

A parábola do sapo cozido: como enfraquecer a indústria do aço sem perceber

Share

O Brasil exporta minério a cerca de US$ 100 a tonelada e importa aço entre US$ 500 e US$ 900. Enquanto isso, cidades industriais como João Monlevade e Barão de Cocais sentem os efeitos com demissões e corte de investimentos.

O país começa a viver, sem perceber, uma versão industrial da chamada metáfora do sapo cozido. A água vai esquentando aos poucos e, quando a reação vem, já é tarde, o sapo morreu cozido. Hoje, o país exporta minério de ferro a cerca de US$ 100 por tonelada e importa aço acabado pagando entre US$ 500 e US$ 950 por tonelada, dependendo do produto. A lógica econômica é simples: vendemos matéria-prima barata e recompramos valor agregado caro, aceitando essa troca como algo natural.

Os números ajudam a entender o tamanho da armadilha. Em dezembro de 2024, o minério de ferro (62% Fe) girava entre US$ 100 e US$ 106 por tonelada. A mesma matéria-prima, após processamento, retorna ao mercado brasileiro como bilha de aço a até US$ 465, vergalhão entre US$ 520 e US$ 585 e bobina laminada chegando, na cotação deste ano de 2025, a US$ 950. Essa diferença não é apenas margem industrial: ela concentra emprego, tecnologia, impostos e poder econômico fora do país.

É exatamente esse processo que CEOs da ArcelorMittal, Gerdau, Aperam (antiga Acesita) e outras siderúrgicas vêm alertando. A entrada acelerada de aço chinês — que já responde por cerca de 65% das importações brasileiras de aço laminado — ocorre em paralelo à exportação crescente de minério para a própria China. O resultado prático é uma indústria nacional operando com 65% da capacidade, quando o mínimo saudável seria 80%, tornando novos investimentos cada vez mais arriscados. Leia mais

Usina da Arcelor Mittal em João Monlevade

Os efeitos já são visíveis em cidades que dependem da siderurgia. Em Barão de Cocais, a Gerdau fechou sua usina e 400 trabalhadores foram demitidos — impacto parcialmente amortecido pela presença de 11 mineradoras, que sustentam a economia local. Em João Monlevade, onde a ArcelorMittal tem peso estrutural maior, a paralisação da expansão da usina significa menos obras, menos empregos futuros e mais pressão sobre a economia e as finanças do município.

Enquanto isso, a China acelera investimentos em tecnologia, como o Iron Flash, já comentado por aqui, capaz de produzir aço em poucos segundos, ampliando ainda mais sua vantagem competitiva. Do lado brasileiro, sociedade e classe política parecem alheias ao jogo maior.

No mesmo momento em que CEOs falam de riscos bilionários e cancelamento de investimentos, autoridades perdem a oportunidade de cobrar aos governantes do Brasil, como no recente evento em Itabira com o presidente Lula, sem perceber que o problema não está na foto, mas na engrenagem silenciosa que troca minério barato por aço caro — e empregos por importações.

Leia mais

Destaques