O Brasil exporta minério a cerca de US$ 100 a tonelada e importa aço entre US$ 500 e US$ 900. Enquanto isso, cidades industriais como João Monlevade e Barão de Cocais sentem os efeitos com demissões e corte de investimentos.

O país começa a viver, sem perceber, uma versão industrial da chamada metáfora do sapo cozido. A água vai esquentando aos poucos e, quando a reação vem, já é tarde, o sapo morreu cozido. Hoje, o país exporta minério de ferro a cerca de US$ 100 por tonelada e importa aço acabado pagando entre US$ 500 e US$ 950 por tonelada, dependendo do produto. A lógica econômica é simples: vendemos matéria-prima barata e recompramos valor agregado caro, aceitando essa troca como algo natural.
Os números ajudam a entender o tamanho da armadilha. Em dezembro de 2024, o minério de ferro (62% Fe) girava entre US$ 100 e US$ 106 por tonelada. A mesma matéria-prima, após processamento, retorna ao mercado brasileiro como bilha de aço a até US$ 465, vergalhão entre US$ 520 e US$ 585 e bobina laminada chegando, na cotação deste ano de 2025, a US$ 950. Essa diferença não é apenas margem industrial: ela concentra emprego, tecnologia, impostos e poder econômico fora do país.
É exatamente esse processo que CEOs da ArcelorMittal, Gerdau, Aperam (antiga Acesita) e outras siderúrgicas vêm alertando. A entrada acelerada de aço chinês — que já responde por cerca de 65% das importações brasileiras de aço laminado — ocorre em paralelo à exportação crescente de minério para a própria China. O resultado prático é uma indústria nacional operando com 65% da capacidade, quando o mínimo saudável seria 80%, tornando novos investimentos cada vez mais arriscados. Leia mais

Os efeitos já são visíveis em cidades que dependem da siderurgia. Em Barão de Cocais, a Gerdau fechou sua usina e 400 trabalhadores foram demitidos — impacto parcialmente amortecido pela presença de 11 mineradoras, que sustentam a economia local. Em João Monlevade, onde a ArcelorMittal tem peso estrutural maior, a paralisação da expansão da usina significa menos obras, menos empregos futuros e mais pressão sobre a economia e as finanças do município.
Enquanto isso, a China acelera investimentos em tecnologia, como o Iron Flash, já comentado por aqui, capaz de produzir aço em poucos segundos, ampliando ainda mais sua vantagem competitiva. Do lado brasileiro, sociedade e classe política parecem alheias ao jogo maior.
No mesmo momento em que CEOs falam de riscos bilionários e cancelamento de investimentos, autoridades perdem a oportunidade de cobrar aos governantes do Brasil, como no recente evento em Itabira com o presidente Lula, sem perceber que o problema não está na foto, mas na engrenagem silenciosa que troca minério barato por aço caro — e empregos por importações.

